quarta-feira, 31 de dezembro de 2008

Mutantes - "Tudo Foi Feito Pelo Sol"


Quando pintaram os anos 70, todo mundo pirou ao som do novo tipo de Rock produzido na Europa, mais tarde batizado Rock Progressivo. Yes, Pink Floyd, Genesis, Jethro Tull e King Crimson eram alguns dos nomes da vez, venerados pela geração pós-psicodélica. Como não poderia deixar de ser, a febre também bateu forte aqui, em terras verde-amarelas, influenciando uma boa leva de bandas que, agora, se ligavam ao som do moog.

Um obstáculo, porém, com que nosso esfarrapado Brasil se deparou ao enveredar-se pelos caminhos tortuosos de tal estilo, foi a falta de tecnologia necessária à feitura desse sofisticado e intrigante som. A única saída para as bandas brazucas era garimpar no estrangeiro, em busca dos tão caros equipamentos adequados. E talvez nenhuma banda tenha ostentado um equipamento tão invejável quanto o dos veteranos roqueiros paulistas dos Mutantes.

Em 1974, quando os Mutantes já eram praticamente propriedade do Sr. Sérgio Dias, tendo passado por diversas mudanças de formação ao longo dos anos e dos discos, o guitarrista, juntamente com a banda, formada por Túlio Mourão, nos teclados; A. Pedro de Medeiros, no baixo; e Rui Motta na batera; resolveu lançar um dos álbuns ícones do Progressivo tupiniquim: “Tudo Foi Feito Pelo Sol”.

Apesar de, em alguns trechos, não ser a originalidade o ponto forte do trabalho, o álbum possui momentos simplesmente fantásticos, realmente dignos de toda sua fama e admiração. Os Mutantes tinham o dom de criar universos altamente imaginativos, garantindo ao ouvinte uma passagem de ida à lua – ou qualquer outro satélite ou planeta desconhecido pela astronomia. A viagem já começa com a capa do trabalho, cujo autor não é creditado no encarte – pelo menos não na edição que possuo.

O disco tem início com “Deixe Entrar Um Pouco D’Água No Quintal”, talvez a mais Prog do disco. Sua introdução, um pouco forçada a meu ver, me parece uma tentativa de soar o mais parecido possível com uma banda inglesa. A parte cantada, porém, vem com força total, dotada de sua levada malandra e suingada e um instrumental maravilhoso, executado por uma banda realmente afiada. A sonzera é quebrada por uma parte simplesmente deliciosa, com as guitarras de Sérgio marcando presença. Ao longo da canção há, novamente, o contraponto entre a pegada mais enérgica e as passagens mais suaves, contando com os solos com pedal de delay e arranjos carimbados do contexto Progressivo. Ótima faixa!

A sensacional “Pitágoras” dá continuidade à obra, ao som do teclado magnífico de Mourão. Seu riff super viajante é irresistível, acrescido, posteriormente, dos outros instrumentos do conjunto, um por vez, com melodias sensacionais, até desembocar em uma massa sonora arrepiante. Após essa maravilha, Sérgio demonstra, mais uma vez, seu talento com as cordas, em uma passagem acústica maravilhosamente bem feita. Uma pérola!

Outro momento delicioso é “Desanuviar”. Aqui a banda despeja toda sua veia zen na obra, produzindo uma peça extremamente relaxante e letárgica. Após um trecho mais conturbado, em que a banda vai intensificando o som em uma sucessão de acordes ascendentes, a calmaria retorna com aquele tão amado som do sintetizador, executado por Túlio. A faixa termina ao som de cítaras indianas – nada mais apropriado, não é mesmo?

Após essa sessão de três grandes composições, a banda nos traz a mais embalada “Eu Só Penso Em Te Ajudar”, com bons trechos de piano ao estilo boogie-woogie. A canção possui bons arranjos, com mudanças de andamento e quebras de ritmo, bem Progressiva.

“Cidadão da Terra” possui tecladeira bastante chupada de bandas estrangeiras, lembrando bastante o som de grandes bandas Inglesas. A canção, ainda que de sonoridade um tanto importada, possui o toque viajante dos Mutantes, mantendo a coesão em relação ao restante do álbum.

“O Contrário de Nada É Nada”, um Rock n’ Roll bem simples e descontraído, não possuindo nem 3 minutos de duração. Dispensa maiores comentários.

O disco termina com a faixa título, dotada de uma excelente introdução. A parte cantada, não tão boa quanto o início da canção, ainda consegue agradar, não passando, porém, de razoável. A obra finaliza-se com uma parte instrumental um pouco arrastada, mas bem executada.

Como os caros leitores puderam perceber, as 3 primeiras faixas do álbum são bem superiores às demais, embora nenhuma das outras faça feio. De qualquer maneira, é um trabalho que vale muito a pena – se você sente alguma simpatia pela sonoridade Progressiva, é claro. Todos os integrantes da banda mostram-se extremamente competentes, cada um desempenhando um importante papel para o êxito da obra.

Vale lembrar que foi lançada recentemente uma nova versão do CD, em formato digipack, contendo três bonus-tracks de encher os ouvidos: “Cavaleiros Negros”, apetitosa em todos os seus 8 minutos e 36 segundos; “Tudo Bem”, outra belíssima faixa; e “Balada do Amigo”. Altamente recomendado!

No mais, boa viajem!

2 comentários:

  1. Mais um bom texto, falando de um bom disco que também recomendo. Mas, João, suas resenhas estão parecendo mais opiniões resenhadas... É a intenção mesmo?

    Isso aê!

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  2. São resenhas críticas, contendo, é claro, as opiniões do autor do texto. É a intenção das minhas e de todas as resenhas.
    Obrigado pela visita e pelo elogio!
    =)

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